Cumprindo o seu eixo de publicação, o I PROGRAMA DE FORMAÇÃO E PERMANÊNCIA DE AFRO-BRASILEIROS DA UERJ introduz a COLEÇÃO SEMPRE NEGRO, iniciada com dois volumes – Educação, cultura e literatura afro-brasileira e Educação, arte e literatura africana de língua portuguesa –, e que pretende contribuir para a discussão sobre a questão étnico-racial na educação brasileira. Trata-se de um conjunto de textos que abordam uma variedade de temas oferecendo aos educadores vasto e fundamentado material para in-serção nos currículos do ensino básico.
Nosso esforço se justifica pela escassez de material didático-pedagógico sobre a história e cultura afro-brasileira e dos africanos. A ideologia do embranquecimento e a crença no mito da democracia racial têm mascarado a questão das desigualdades raciais e do racismona sociedade brasileira. Conseqüentemente, nossos educadores têm encontrado dificuldades em incluir em suas práticas docentes a temática étnico-racial. Nosso propósito é levar os educadores a construírem currículos que contemplem a diversidade da sociedade brasileira, contando com a participação de todos os atores da comunidade escolar.
O primeiro volume – Educação, cultura e literatura afro-brasileira – é composto de um rol de novos conteúdos que os professores poderão introduzir no currículo escolar em cumprimento à Lei 10.639/03.
É com esse espírito que os autores e autoras dessa coletânea apresentam suas contribuições para a discussão da questão étnico-racial na escola.
Os textos apresentados na Parte I – Pensamento social, raça, etnia e desigualdades raciais – apresentam reflexões que subsidiam o entendimento dessas questões.
Em “A produção da raça, teoria e prática: a gestão do corpo e do conhecimento”, Osmundo Pinho argumenta que o racismo e a desigualdade racial no Brasil apóiam-se em determinadas estratégias discursivas e políticas definidas contra um pano de fundo denso, em que a reivindicação da raça e a subordinação do negro passam pela administração de determinado conhecimento sobre o negro, ou melhor, pela sua produção como objeto do conhecimento e da violência.
O artigo de Julio Cláudio da Silva e Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, “O pensamento social brasileiro e a questão do negro”, apresenta de forma sintética a história da inserção do negro na sociedade brasileira, articulando a ação dos movimentos negros desde a Colônia, com os debates dos intelectuais a partir do século XIX, na constituição do pensamento social. Mostra o negro como agente social ativo em diferentes perspectivas e em contraponto às teorias racistas de Gobineau, Lombroso e Lapouge e à luz dos debates antropológicos e das polêmicas entre Arthur Ramos e Oliveira Vianna, nas décadas de 1930 e 1940.
Em “Afro-descendência e a superação do ‘velho’ conceito de raça: a construção da identidade politicamente compartilhada”, Andrelino de Oliveira Campos discute a identidade, apresentando-a como algo que não pode ser atributo que se adquire com a hereditariedade, mas que é produzida no “fazer” social de diferentes grupos de uma dada sociedade, seguindo padrões e lógica de cada povo e no interior de uma nação. Nesse sentido, a produção identitária foge do escopo da origem (raça) e ganha sentido nas relações sociais conflituosas entre os diferentes setores da sociedade.
O artigo de Maria Nilza da Silva, “A influência da raça e do território na experiência da sociabilidad”, que denuncia a segrega ção urbana e racial na cidade de São Paulo entre os anos de 2003 e 2004, após a analisar a ocupação de territórios e de espaços urbanos pela população negra revela as diferenças nas experiências de sociabilidade a partir do “lugar” em que ela se encontra. Segundo a pesquisadora, as pessoas que habitam as periferias, majoritariamente negros, apesar de vivenciarem relações mais próximas, no cotidiano encontram dificuldades para o desenvolvimento de relações mais intensas por causa da pobreza e do medo da violência.
Na parte II – Cultura afro-brasileira e religiosidade – estão reunidos artigos que abordam a cultura afro-brasileira e a religiosidade.
Maria Alice Rezende Gonçalves, em “A cultura afro-brasileira e a escola”, discute que mais da metade da população brasileira se auto-declara afro-brasileira, compartilhando, assim, uma cultura comum, a chamada cultura afro-brasileira ou negra, e se propõe a fornecer elementos que enriqueçam a discussão sobre a cultura afro-brasileira e a escola destacando seu surgimento, seu lugar na escola e na sociedade contemporânea.
Cláudio de Carvalho Silveira, em “Historia afro-brasileira: João Candido, o almirante negro – herói e vilão”, aborda a participação do marinheiro negro João Cândido na Revolta da Chibata, que ocorreu no Rio de Janeiro em 1910, apresentando-o como um personagem importante no quadro histórico da presença dos negros na construção da nação. Ao fazer uma releitura da literatura sobre Cândido, cita autores que tentaram contrapor à condição de herói a pecha de vilão.
Em “Algumas reflexões sobre o candomblé de Queto”, Magali da Silva Almeida nos convida a pensar sobre a estrutura ritualística do candomblé da nação queto, visando a apreciar suas possibilidades de construção de identidade étnico-religiosa dos afro-descendentes no Brasil, segundo valores inerentes desta tradição. Baseia-se na idéia de que as religiões afro-brasileiras constituem respostas sociais e políticas das culturas de matrizes africanas reinventadas no Brasil ao projeto de sociedade imposto pelos colonizadores, a partir do século XVI.
Na parte III – Literatura afro-brasileira – são abordados aspectos da literatura afro-brasileira e os processos de formação de professores que contribuem para a exclusão das africanidades nos currículos escolares e sugere como fazer para modificar esta realidade, promovendo a inclusão desses temas nos currículos.
No artigo “Na luta pela visibilidade: a formação de professores e a literatura afro-brasileira”, Maria Aparecida Andrade Salgueiro aponta para a importância e urgência da mudança de foco e da inclusão de textos literários de autores afro-descendentes nos currículos não só do ensino fundamental e médio, como determina a Lei 10.639/03, mas principalmente nos currículos daqueles que os ministrarão: os cursos de formação de professores, sem o que pouco se avançará na implantação das ações.
Em “Literatura brasileira na perspectiva das africanidades, Selma Maria da Silva propõe a reflexão sobre a questão étnica na literatura brasileira e sobre formas de exclusão e de inclusão da africanidade no discurso literário, compreendendo a literatura afro-brasileira como um instrumento capaz de conduzir seus autores e leitores para pensar a questão racial como uma das problemáticas estruturais da sociedade brasileira.
Fechando a coletânea, Maria José Lopes da Silva, em seu “Desvendando identidades não reveladas: dilemas da pedagogia multirracial na escola brasileira”, discute o processo de construção da branquidade dos(as) professores(as) envolvidos(as) na educação básica e faz uma crítica ao etnocentrismo ocidental e à hegemonia da brancura, no sentido de o grupo opressor da “invisibilidade”, com acento na interação com a população negra, tendo em vista contribuir para o avanço dos estudos sobre os grupos etnorraciais oprimidos no contexto da escola brasileira.
Esperamos que a COLEÇÃO SEMPRE NEGRO, ao discutir história, educação, cultura e literatura afro-brasileira, além de ajudar os educadores brasileiros a cumprirem à Lei 10.639/03, seja um instrumento efetivo de promoção de cidadania.
Junho de 2007
Maria Alice Rezende Gonçalves
Coordenadora do I PROGRAMA DE FORMAÇÃO E PERMANÊNCIA DE AFRO-BRASILEIROS DA UERJ (2006-2007)
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